Nunca é demais reafirmar que a nossa visão da medicina não se resume ao manejo dos sintomas de uma doença.
Cada vez mais a prática médica vem demonstrando a importância de tratar a doença de forma abrangente, levando em conta o olhar subjetivo com que cada paciente percebe e se relaciona com o próprio estado. Em outras palavras, com a sua qualidade de vida.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu qualidade de vida como a percepção do indivíduo de sua inserção na vida, no contexto da cultura e dos sistemas de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações.
Dentro dessa perspectiva, a doença deve ser vista em primeiro lugar a partir da percepção do paciente, e o seu tratamento deve ser centrado na pessoa, não na doença. Além disso, há de se levar em conta as crenças, os valores e até as preocupações espirituais.
Quando olhamos para a saúde sob a ótica da qualidade de vida concluímos que mesmo que a cannabis medicinal ainda tenha um longo caminho a ser percorrido, já ocupa uma posição muito importante na melhoria da rotina das pessoas que sofrem de doenças crônicas. Sua utilização na redução de náuseas, vômitos e outros efeitos secundários associados à quimioterapia é um dos melhores exemplos de como promover a qualidade de vida.
Não posso deixar de citar também o grupo das epilepsias refratárias, nas quais já é comprovado que a Cannabis apresenta efeito anticonvulsivo, reduzindo drasticamente o número e duração das crises convulsivas e dos medicamentos com a mesma finalidade, reduzindo interações medicamentosas e efeitos colaterais importantes associados ao uso destas substâncias.
Estudos com grupos de pacientes com dor crônica indicam que após o uso de cannabis medicinal houve uma redução espetacular na utilização de opiáceos, anti-inflamatórios, antirreumáticos, antidepressivos e outros.
Há também pesquisas entre pacientes de países nos quais a cannabis medicinal já foi regulamentada que mostram que uma quantidade significativa de pacientes trocou seus medicamentos prescritos por cannabis.
Nos estados dos EUA que regulamentaram a cannabis medicinal houve uma redução no número de mortes por overdose de opiáceos nos últimos anos, em comparação com outros estados onde ela é proibida.
Ainda há muito a ser aprendido a respeito dos efeitos da cannabis medicinal sobre a qualidade de vida relacionada à saúde. Este é um campo em que o trabalho só recentemente começou a ser divulgado, e nem todos os estudos são conclusivos.
A boa notícia é que esses estudos também indicam que a cannabis medicinal está contribuindo de forma clara para reduzir o uso de outros medicamentos. Ao trazer benefícios diretos sobre a saúde como um todo, ela permite que a doença seja tolerada com dignidade e que o tratamento aconteça muito além do controle dos sintomas. E isso é qualidade de vida.
Fontes:
- A lista de todos os estudos publicados até o momento pode ser encontrada aqui: http://www.cannabis-med.org/index.php?tpl=page&id=37&lng=es
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- Já foram publicados numerosos estudos baseados em pesquisas que mostram uma redução no uso de medicamentos entre usuários de cannabis que utilizam dispensários americanos e canadenses. Por exemplo: Reinarman C, Nunberg H, Lanthier F, Heddleston T. 2011. Who are medical marijuana patients? Population characteristics from nine California assessment clinics. J Psychoactive Drugs. 43(2):128-35.
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